quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Promessas


Promessas ecoam no tempo
A incompreensão os acompanha
Lado a lado
Como uma velha senhora
Talvez não tão gentil
Mas tampouco apressada
Não foi ontem que o sol prometeu iluminá-las?
Mas, o sol de fato existe,
Ou é o brilho de sua imaginação?
A espera de algo que o motive?
Promessas continuam a ecoar no tempo
E sua esperança é cada vez mais
Incapaz de se pronunciar
Será que tamanha glória imaginada
De fato existe?
Ou é o devaneio que ecoa no tempo
Lado a lado com as promessas?





Senhorzinho



Senhorzinho
Com o seu olhar despreocupado e atemporal
Como o das crianças
Assentou-se em um ambiente pacato
Tinha conhecimento de causa
Sobre os segredos divinos
Senhorzinho
Delicia-se com seus prazeres
Mas não com simples prazeres
Prazeres dotados de originalidade
Concedida por Raziel
Contava suas histórias
Mas não simples histórias
Histórias reveladoras de mistérios
Que despertam prosperidade
Nas considerações alheias
Senhorzinho é um anjo encarregado de zelar por nós
Ou está possuído por benevolência?
De qualquer maneira, não é como nós
É a primazia no tratamento
Põe-se a seu dispor
Na corrente de sua fineza
Que o prende
Na impureza de nossas idéias





Bem-amado


Mão firme e justa
Compra a retidão
Apostando no futuro
Para devolver sonhos floridos
Outrora destruídos
Pelas chagas da cegueira humana
Aquarela que precisa ser colorida
Mas que nos colore também
De vivacidade
Nos largos saltos entre as nuvens do paraíso
Agosto que confirma a excelência dos homens
Bom trato na fineza de sua risada
Cirurgião de imperícias
Das palavras
Que destratam no pessimismo
Do sol ardente
Consulta de corações fatigados
Pelas incertezas da vida
A iniciativa da prevenção de horrores sociais
Eu já disse
E você já sabe
Bem-amado por nós você é



A vida



A vida insiste em fazê-lo de idiota
Mergulhou na face obscura de sua compreensão
Tentou desacreditar o espetáculo da vida
Pois ele não lhe foi leal
E foi desacreditado pela ironia
A vida mostrou o peso do desempenho
Mas não mostrou a sombra do descanso
Suscitou perguntas que formularam dúvidas
Sobre a tangibilidade de certos insights
Nem mesmo seu ego
Recém liberto da sensatez
Pode lhe proporcionar
Satisfatória explicação
Tapeado pela vida
Não soube seguir
O rumo ao qual se propôs
Foi marionete de um destino
Incompatível consigo próprio
A vida
Ventríloquo de tristezas e desgostos
Forçou-o a dançar o ritmo de sua coerção
Cordas manipuladoras de covardia, desencorajamento e pouco caso
Encurtavam seus passos
E o atavam, temia que para sempre,
A esse ventríloquo visionário da tristeza mais pura,
E por vezes sádica, que é a vida.


Engenheiro da desarmonia



Construiu a ilusão
Na argamassa da distância
Arquitetou seus problemas
Com ângulos desequilibrados de visões impostas
Deu formato ao seu desespero
No círculo vicioso de uma espera desregrada
E também
Na crença de que aquele que lavra a terra obterá a safra
Pois arou o planalto de seu orgulho
Com a enxada desvelada de brilhantes previsões
Mas, essas foram suplantadas
Por este mesmo círculo que lhe inflamava a angústia
Projetou o insucesso
Com as vigas de desamparo
Dedicou-se à engenharia de planificação detalhista do masoquismo
Jogou a isca
E foi fisgado pela tragédia
Pavimentou a trilha da separação
Entre o desejado e o asqueroso
Sinalizando em si próprio o perigo de seu autodesprezo
Através de um olhar distante
Na multidão, que contornou sua insignificância,
Foi engenheiro da desarmonia


Dieta indesejada



No delírio dos indesejados
Serviu-se do primeiro aperitivo
Explorou tudo o que lhe permitiam
Encaixou o gancho em seus orifícios
As bases tremeram
A vida fluiu naturalmente
Não se conteve
E buscou o banquete outra vez
Fartou-se na delicia de seus prazeres
Cada abocanhada trazia novos sorrisos
Em um ciclo de contentamento
Que se reiniciava a cada extrato alvo
Expelido pela manipulação da lingueta
Reguladora do paladar
Já sem fome
Mas dotado de gula
Apossava-se das refeições
Às vezes duas de uma só vez
Apetite voraz
Comeu o que pode
E foi-se
Só não sabia que sua carência alimentar
Era causada pela ausência de nutrientes carinhosos
Em sua dieta alimentar
E voltou à dieta indesejada
Delirando por um prato
De sustância constante



Conta no Inferno




Confiou o saldo de sua vida naquelas mãos
E foi retribuído com o capital final da exposição desnecessária
Jurado pelo descuido
Duplicou a sua insegurança
Taxaram-lhe a irresponsabilidade nominalmente
O tempo veio cobrar sua vergonha
Em uma carta
Velaram seu sano julgamento
Que foi na contramão do bom senso
Por confiar no mercador local
Foi à bancarrota
Liquidou sua polidez
Abriu conta no inferno de preocupações
Banqueiro endiabrado
Recebeu-o pessoalmente
Prometeu-lhe soluções para os valores cobrados
Possuiu-o por completo
Esteve em suas mãos
E o fez dever-lhe a paciência e o carinho
Frente à família
Assinou promissórias
Renunciando à clemência
E pertenceu à raiva
Esse banqueiro que institui
A cólera da alma

Comentários alheios



Comentários alheios complexaram sua razão de viver
E tocaram acordes de desencanto em sua psique
Aprisionaram-no no calabouço da inferioridade
Apedrejaram sua resistência mais intimista
Encurralaram-no no canto da melindrice
Aspiraram à genialidade contida na meiguice do abraço inclusivo
Para substituí-la pela brutalidade
Do toque discriminado
No calabouço, ratos noturnos que são esses comentários alheios
Roeram a mortalha de sua robustez
Para se transformarem em aranhas
Que teceram o cobertor de sua atonia
E depois foram maestros que regeram torturas
Cujas notas formularam a partitura de seu abalo psíquico
E foram também os algozes que deceparam sua cabeça
Insinuando que suas idéias jamais agradariam
Á coroa que o aprisionava no calabouço
Pois, segundo os comentários alheios,
Ele era a abelhinha que zunia sutis zombarias
Impondo sutileza nos maiores ultrajes
Como um urso em que a camaradagem se desfaz no aperto de seus braços
Essa coroa que lhe aprisionava
A tal da sorte não convencível
Resoluta em apoiar causas ainda mais ultrajantes



A vendeta


A vendeta chega a ser mais doce que o beijo?
O arquejar de palavras que não se sustentam
Na falta de convicção do seu sonso caminhar
Ela atravessou o corredor espremida entre o desconhecido e a vergonha
Ou foi entre o desejo e a hesitação?
Desviou o olhar como se indignada por uma suposta indecência
Ou foi por uma suposta ousadia?
O rapaz almejou ser ousado também
Ainda que fosse pela última vez na vida
Mas percebeu que não seria ainda desta vez que a alegria compactuaria com ele
Teria sido uma brisa de curiosidade que a teria levado para além de seus domínios?
Ou simplesmente o latejar de esperança de uma doce surpresa
Que baixaria a guarda de seu orgulho?
Voltará ela a se aventurar pelo corredor da ansiedade,
Mas pelo menos não tão desconhecido?
Se depender do rapaz, que ela venha como o crepúsculo
A primeira animação e o avivar do dia
Pois ele é uma sentinela prestativa que se posiciona no corredor
Avistando-a de longe, tentando garantir o seu bem-estar
E depois da conturbada volta ao corredor por vezes encorajador,
Outras vezes amedrontador, a pergunta volta a planar no ar
A vendeta chega a ser mais doce que o beijo?


Maturidade


A maturidade foi uma correnteza fraca demais para que ele a seguisse
Foi uma chuva tropical, que por diversas vezes precipitava-se e findava rapidamente
A falta da maturidade foi o mecanismo desarmado do seu senso de realidade
E sua mazela mais impressionante
Madurou o verde amargo de seu comportamento
A falta da dita maturidade parou os ponteiros de seu relógio
E a noite e o dia já eram irrelevantes
Foi o instrumento da vez para melindrar o pensamento racional
O vagão que o levou ao encontro do surrealismo
A imaturidade foi um ator talentoso que atuou maravilhosamente bem
Com a abordagem derrotista sobre ele
Apavorou-o em um palco de pouco brio, por onde andou
A tal imaturidade desbotou suas tonalidades alegres
Foi o símbolo da derrocada antes da primeira tentativa
Foi o discurso não afinado com o bom senso e a simplicidade
Foi o arrependimento no destempero de certas ações
É sua perturbação constante
Como se escapa a ela que permeia como a erva daninha?
E é mais clara ( perceptível) que nosso reflexo (propósitos nesse mundo)
Por quanto tempo ela ainda há de projetar
Sombra sobre o desabrochar contido?
Na entrada de cada novo dia o fulgor da manhã traz a oportunidade de vendeta
Da mente sazonável sobre o passado imaturo



América abençoada




Junção das proezas universais
Águia de olho aguçado
Visionária da prosperidade
Orgulhe-se nação de vanguarda
Pois tu és a garantia de que o homem não caminha em vão
América abençoada
Na batalha de rendição de Yorktown, a águia deu seu primeiro voo
Para um destino de supremacia orientado pela consciência
Liderança nata e merecida
Entre a boçalidade das nações do mundo
Thomas Jefferson, o profeta da liberdade
Confeccionou a mensagem de esperança em dias melhores
Na nova bandeira rubro-azul
Povo heróico, transpôs a sombra da tirania
Prescreveu ao mundo a receita do bem-estar
Na crescente fertilidade de suas idéias
Que justificam sua fabulosa existência
O tio Sam percorreu o mundo recrutando a persistente crença
Da soberania dos povos sobre seus destinos
Golpeando abusivas presenças vermelhas
E barbadas na intolerância da lua crescente
Entre outras forcas incorrigíveis
América abençoada, continue a atuar com grandeza no palco global
Frente à dramaticidade crônica
De um bloco envelhecido unificado somente pelas cifras do Euro
América abençoada, ainda mais sucessos inigualáveis te são rogados




Ramalhete violeta




Em poucos dias
Ele se desafiou a lograr o inimaginável
Comandou uma severa determinação
Que se pôs a seu serviço
Interessada em frustrar a estática posição
Que lhe governava autoritariamente
Foi atrás daquilo que exercia fascínio sobre si
A mulher de um fino espécime
Um ramalhete exótico no topo de uma alta montanha nevada
Até então o contato com ela tinha sido como uma nevasca tenebrosa
Pouco agradável e sempre se esperando que terminasse sem mais tardar
Para subir os picos nevados de sua incompreensão
Requeria-lhe olhar além do ponto de imaginação dos medianos
Pois sua beleza é reservada àqueles que chegam alto
Àqueles que visam às maravilhas possivelmente ocultas no cume nevado
Ela é o ramalhete violeta que recompensa aqueles que ousaram desafiar
O frio da altura que os separava e o temor da caída nas subidas puxadas
Ramalhete violeta, atreva-se a revelar sua peculiaridade
Em um mundo alvo morto e congelado, sem deixar, contudo, de ser recatada
O inimaginável aconteceu, o rapaz colheu o ramalhete e esse tornou exuberante
Outro cantão gelado, que era seu amor
Essa mulher realmente foi um fino espécime
Que soube plantar determinação em sua escalada



Novo reinado




Bolinaram o heroísmo contido em pensamentos mais iluminados que a coroa
Para aprovarem circunstâncias onde o domínio de prazeres simplistas e mundanos
Eram o brasão e o emblema do novo reinado
Este já composto de gargalhadas desprivilegiadas de espiritualidade
Não se contiveram em fustigar a refinação de sua articulação
Apressaram-se a sorrir maliciosamente no tropeço dos bons modos
Nomearam a estupidez como representante do novo reinado
A erudição foi declarada improdutiva
E suas obras foram conduzidas ao pelotão de fuzilamento
E se ousassem sobreviver seriam incineradas pelo clímax popular
Já agradada pela descomplicação dos temas relevantes à vivência humana
Trazer trocados para casa foi considerado a obra prima da sociedade
Ao desenvolver ideias, já comentavam a penúria de sua situação
Coitado é doente da cabeça para rirem em seguida com desaprovação
Os valores se desintegravam como em frações simplórias
A caneta só firmava documentos que sentenciavam á morte
E não mais a arte literária
E desde então versos de desordem foram organizados
E compilados no senso comum
Para o triste desmoronamento do novo reinado

































Uma temporada




No primeiro dia no hotel, o homem perguntou como se satisfazer e o recepcionista inexperiente olhou sua colega próxima e o hóspede pensou ter encontrado a excelência hoteleira.
Desfeito o mal entendido, o homem se curvou pelo desejo ainda não realizado, mas o acanhamento não o impediu de buscar a satisfação em outra recepção qualquer, dessa vez na cidade maravilhosa.

No segundo dia, a reserva se confirma com a chegada da hóspede, que zela pelo conforto de seu marido e pelo seu próprio, perguntando ao recepcionista se as camas estavam ajeitadas apropriadamente.
O recepcionista, acreditando que todos os casais gostassem de formar um ninho de amor em seus leitos, afirmou que a cama havia sido preparada para o casal.

A mulher fitou-o ardilosamente como se, já na chegada, tivesse a certeza de que sua estada seria irremediavelmente frustrante, e ordenou ao prestativo rapaz da recepção que reorganizasse o quarto com duas camas de solteiro, o mais rápido possível.

O recepcionista, diante do pedido incomum, duvidou de suas próprias faculdades auditivas e mentais e por isso ousou desafiar o código de normas de sua profissão, soltando uma pergunta tão idiota quanto desafiadora á mulher: “Você tem certeza”?
A pergunta havia sido idiota por não ter ele acreditado na seriedade da declaração da mulher, e desafiadora, por ter julgado a opção dela inadequada antes mesmo de saber as razões que a levaram a pedir as duas camas de solteiro.

De qualquer maneira, a pergunta se desfez na seca contestação de que era isso mesmo o que ela desejava, tendo que engolir em seco e com certo embaraço tal contestação.
O recepcionista se apressou em atender ao pedido para satisfação da hóspede. E pensou que seu marido fosse talvez um passarinho que fizesse muita algazarra no ninho, ou cantasse infiéis melodias para outra passarada, ou forrasse outros ninhos por aí.

No terceiro dia, foi constatada a necessidade de maquiar as imperfeições que o tempo trouxe à fachada do edifício que tanto se deleitou na presença de beldades escandinavas; , da sensualidade latino-americana, que se recusa a ser ocultada em roupas recatadas; da espontaneidade da cor africana, que aflora no toque insinuante de madames que cantarolam seus vocabulários; da exótica e miúda presença de senhoras da terra do sol nascente ou dos tigres asiáticos.

O pessoal da manutenção do hotel considerava-se um grupo de artistas, cirurgiões plásticos cuja missão de rejuvenescer e embelezar a velha fachada lhe fora encomendada. Subiam enormes alturas através dos andares especiais montados especialmente para eles, e de lá do alto, com a visão plena sobre os agora minúsculos pontos que se movimentavam pelas ruas, compreendiam que a imposição de classes sociais era só um recurso psicológico para assustar e magoar algumas pessoas, pois em um possível pensamento maldoso poderiam julgar estes pontos abaixo de seus narizes como baratas perniciosas e descartáveis na sociedade, e também podiam ver com extrema clareza o que movia os passos da multidão: alguns adiantavam seus passos por pressa; outros, por orgulho; outros, ainda, pelo puro desespero de não saber armar uma reação contra o cheque-mate que almejava a vida lhes impor e que por fim causava auto-desorientação.

O staff da manutenção desejou estabelecer suas moradias na paz das alturas; não uma altura qualquer, mas sim essa altura que haviam conhecido no cumprimento do dever e que pode não ter trazido a igualdade social, mas lhes restituiu a dignidade.
Por essa tal dignidade, trabalhavam com tamanha gana que superavam em produtividade o império nipônico e abriram mão de sua própria segurança para voltar a sentir essa soberba sensação.

Dentre eles, destacava-se um homem chamado Toninho, que era conhecido por seus colegas como uma personalidade extremamente vibrante apesar de todas as adversidades que o destino havia lhe reservado. Era analfabeto, retirante do sertão baiano e conheceu a desintegração familiar desde a sua mais tenra idade. Em seus trabalhos, carregava o peso além de suas responsabilidades, apesar de seus humildes porte físico e posição hierárquica, o que poderia ter lhe rendido o apelido de “formiguinha”, tamanho era o seu vigor, mas o apelido nunca veio tamanho era o descaso das pessoas em seu local de trabalho.

Toninho subia os andares recusando o cinto de segurança, talvez porque, em seu pensamento, esse equipamento tinha muito pouco a oferecer comparado à sensação de estar no topo ou de estar acima do bem e do mal. Mas, o ato de subir tão alto sem o equipamento necessário e exigido pela lei, causava preocupações em certos recepcionistas que se deparavam com a cena diariamente e perguntavam a Toninho:

“Toninho, baiano arretado, não tens medo de se esborrachar no chão e virar geléia”?

Toninho respondia geralmente que a única coisa que de verdade temia era sua mulher, ou, quando queria explorar sua veia cômica, dizia que não havia problema em virar um pote estraçalhado de ketchup esparramado pela rua, ou, ainda, um piche, para ajudar a asfaltar a rua desmazelada de sua própria casa; e quando estava enfezado , queria deixar a sua marca e soltar uma frase de efeito, exatamente como fez um dia quando indagado pela milésima vez sobre o mesmo assunto: “O que eu gosto mesmo é de me arriscar, sempre foi assim”.

Os recepcionistas tiveram pena do gerente que, por trás daquela pose de homem centrado e calculista, estava à mercê dos atos impulsivos e arriscados do baiano arretado Toninho.

De qualquer maneira, não houve qualquer motivo para choro ou arrependimento, pois Toninho sobrevivera à reforma na fachada, assim como haveria de sobreviver às brigas maritais e aos terríveis planos econômico-sociais do governo.

No dia seguinte, chega um trio à recepção e solicita o check-in no nome de Walsh Tompson. O recepcionista nada encontra no sistema, e pergunta se a reserva foi feita por outra pessoa em outro nome, para receber uma negativa logo em seguida.

O recepcionista começa a duvidar da veracidade do trio dinâmico e sugere sutilmente que procurem um outro hotel, pois este já estava lotado pela semana inteira. Tal sugestão causou perplexidade no trio. E foi nesse meio tempo, entre a sugestão dada e a perplexidade gerada, que o carregador de malas, atento à situação, decidiu expor sua versão da história ao recepcionista, para que seu julgamento fosse o melhor possível sobre o caso, explicando-lhe, em dois curtos minutos, que havia estado no hotel concorrente para buscar as malas de um hóspede que estava se transferindo de lá para o hotel em que trabalhavam quando chegou um grupo de gringos, e esses três, talvez confiando na determinação e objetividade de seu trabalho, seguiram-no, sob um sol escaldante de verão tropical, sem dizer uma única palavra.

Os dois trocaram um último olhar e não puderam evitar a falta de polidez, caindo em uma risada profunda e verdadeira, pois a clareza é cômica e a dúvida é trágica, e esses turistas se deixaram levar por estranhos assim como ovelhas se deixam levar por seus pastores.

Uma vez composto, tratou de explicar aos turistas o que seria óbvio para muitos, mas sempre de uma maneira respeitosa, conseguiu passar sua mensagem á Walsh Tompson, que explodiu numa risada da qual logo perderia o controle, que foi interrompida pelo constrangimento de rir de uma trapalhada cuja responsabilidade era absolutamente sua, seus dois colegas não resistiram à tentação e caíram em uma risada descontrolada e até certo ponto desrespeitosa para com seu amigo. Tomaram seu rumo para o hotel onde a reserva tinha sido de fato feita e, com certeza, aprenderam a analisar a situação da maneira mais completa possível, não se deixando levar pelo primeiro pastor de cajado desorientado que aparecesse à vista.

Na semana seguinte, hospedou-se, no hotel, um grupo GLS que sabia chamar a atenção para si . Não era a primeira vez que escolhiam ficar no hotel - a cada ano, no mês de janeiro, voltavam, para soltar as asinhas pelas ruas da cidade e comprar o suficiente para deixar um comerciante feliz no final do dia. Esse “boom” econômico comprava a tolerância também para as borboletinhas revolucionárias em uma sociedade bem discriminatória; no entanto, o staff do hotel já estava bem acostumado às revoluções do comportamento sexual do grupo, demonstradas por um carinho entre dois homens enquanto um passava o protetor solar nas costas do outro, em um beijo escandaloso no saguão, no desmunhecar da interação de uma notícia animadora e em qualquer oportunidade surgida fosse onde fosse, mas, nesse ano, souberam trazer novidades: alguns casais de lésbicas que integravam o grupo pela primeira vez causaram admiração e excitação no staff que era composto em sua maioria por homens sem vergonha e desarranjados na vida. De qualquer maneira, hospedar lésbicas foi, na consciência do staff, algo muito mais natural do que a devassidão gay masculina já aceita pela necessidade de alavancar o empreendimento hoteleiro.

O grupo GLS alternava seu tempo livre entre cachoeiras e praias, entre um restaurante de frutos do mar e um restaurante de massas, entre massagens e a piscina, entre o computador e uma caipirinha no bar e entre sunguinhas apertadas azuis ou vermelhas.
Até que um dia, um dos casais gays cansou de bater as asinhas naquele hotel e se foi antes da data prevista de saída, em busca de um novo borboletário. Então, a recepção alugou o quarto a uma européia atraente, mas pouco acostumada aos raios solares, dada a alvura de sua pele, e foi na intenção de mudar esse quadro que sua segunda ação no hotel depois de largar as malas no quarto tinha sido descer as escadas com um minúsculo biquíni azul chamando a atenção para si , para se bronzear na piscina.
Lá chegando , ocupou a única espreguiçadeira disponível, em meio a uma multidão (assim lhe pareceu o grupo GLS) que ocupava todas as outras .

Os homens mais próximos a cumprimentaram simplesmente por polidez, sem aquela malícia ou segundas intenções que os cumprimentos dos héteros apresentavam em relação a uma bela mulher. A mulher percebeu com facilidade que estes homens jamais correriam atrás dela e amaldiçoou este fenômeno assim como a guerra nuclear, a fome mundial, o subdesenvolvimento do hemisfério sul e as epidemias mundiais.

De qualquer maneira a mulher não se deixou abater pela insignificância da opção sexual de boa parte dos homens que se encontravam na sua frente e resolveu pedir uma caipirinha ao garçom do bar com o objetivo de relaxar e curtir os raios solares abundantes dos trópicos. Tomou a caipirinha com grande vontade e, em seguida, esticou seu corpo sobre a espreguiçadeira, em um indolente esforço para terminar fechando os olhos e, inconscientemente, assim julgaram todos os que presenciaram a cena, começar a esticar cada vez mais suas pernas até atingir uma conotação sexual encorajando o garçom hetéro a triunfar sobre seu corpo, agora desprotegido, enquanto as borboletas encaravam a situação em completa repulsa, como se seu corpo já sexualmente intencionado fosse uma doença contagiosa ou um fator que causasse alergia, que, por sua vez, demandasse a maior distância possível de ser alcançada. O garçom, percebendo a reação de seus hóspedes em relação à mulher, deu-se conta de que os casais se encontravam em um casulo hermético totalmente à parte do que acontecia ao redor - e não poderia ser diferente: afinal, no reino das borboletas, só tem acesso quem bate as asinhas tão escandalosamente quanto eles.

A mulher acordou depois bem exposta aos raios solares e subiu para seu quarto para apagar seu fogo sozinha e apressadamente.

O gerente admirou a completa falta de intenção em seguir os parâmetros ditados pela sociedade e simplesmente se dedicar a prazeres pessoais sem se preocupar se as conseqüências de seus atos trariam desprezo ou distância aos olhares alheios e jurou perseguir a mesma liberdade vista no grupo. Naturalmente, não se tratava de opção sexual, mas daquela coragem de enfrentar Deus e o mundo para poder, enfim, concretizar seus desejos particulares – de todo modo, nunca compreendera o porquê de continuar trabalhando em um local que passava 10 meses se preparando para o grande desafio de receber toda uma multidão nos dois meses de verão, numa cidade onde o melhor compromisso cultural é degustar as mais variadas cachaças em goles que derrubam o bom senso com extrema facilidade; em que, aos domingos, o melhor programa era saber diferenciar à qual igreja pertencia as badaladas agudas dos sinos espalhados por toda a cidade.

Mas, sim, compreendia o porquê de ter aceitado o emprego – afinal, desempregados não são homenageados com nomes de ruas ou avenidas, com a construção de estátuas brilhantes e tampouco com a chave da cidade , e, para completar sua análise: visões particulares não pagam contas e não garantem o bem- estar.

Influenciado pelo comportamento revolucionário, um misto de anarquia e sarcasmo frente aos legisladores da escravidão espiritual, o gerente resolveu dar um novo formato a sua vida - suas atitudes seriam, a partir daquele momento, desprovidas de qualquer bom senso.

Sentiu-se muito mais leve e dinâmico no inicio, mas, com o passar do tempo foi perdendo as estribeiras e ultrapassando os limites, transformando-se no revolucionário mais perigoso daquelas bandas. Alguns chegaram a comentar que ele já era o revolucionário mais influente do século 21, enquanto outros já matutavam se valia à pena revelar seus pensamentos como nem Che Guevara, nem Ho Chi Minh, nem Fidel Castro ousaram, antes da fama, e desafiar com tamanha intensidade os bons costumes do local em nome de uma angústia pessoal.

Acordava com a mão no gargalo de pinga, cambaleava pelas ruas em plena luz da manhã; entrava nas lojas de roupas caras experimentando camisas e gravatas, levando-as, por fim, dentro de seu bolso comprido, sem deixar o pagamento nem gorjeta para a atendente, que, por sua vez, caçava-o por toda a cidade para exigir o resgate de sua honra, acusada que era de ter sido conivente; comprava charutos cubanos para tragar a indelicadeza da vida em uma pose reflexiva e sofredora na sua poltrona predileta; levava seus cachorros para passear no hotel e dava-lhes banho na piscina do hotel; arranjava um bico de garoto propaganda de vinhos chilenos, invadindo bufês completamente alcoolizado e saltitante, garantindo a aquisição da felicidade com seus produtos; com a desculpa de garantir a qualidade , começava a vasculhar todo o hotel como um peão ensandecido e acaba vasculhando por demais a vida de uma hóspede casada, para desagrado da mesma.

E vieram os dias de depressão e declínio, em que a revolução já havia conquistado seus simpatizantes e feito seus desafetos, marcado sua mensagem e perdido completamente a razão na sociedade. O revolucionário revolvia-se na cama, enquanto a consciência fazia-lhe o favor de devolver-lhe o bom senso, até que seu irmão caridoso arranjou-lhe algo para gerenciar em outras bandas, e ele se foi, para a sombra e água fresca.

No mês seguinte, hospedou-se no hotel importante ativista de movimento pela justiça social. Veio acompanhado de esposa, filhos e sua careca, barba e brincos, que compunham seu disfarce para produzir matérias no submundo carioca.

Muitos o admiravam, seja por ter superado sua infância desfavorecida, ou pelo fato de, atualmente, desfrutar de uma vida burguesa sem ter deixado de ser um ídolo nos morros cariocas. Fez-se na televisão apresentando problemas sociais e suas soluções, programas que as madames desconheciam por estarem ocupadas demais vendo suas novelas e os pais de família desse país, por se preocuparem com a rodada do campeonato de futebol.

Na televisão, tudo o que tinha que fazer era continuar a tolerar os malandros dos morros e penitenciárias que havia conhecido na infância, e, no hotel, tudo o que os funcionários precisavam fazer era continuar a tolerar os mandos e desmandos do malandro reformulado, como tantos outros que haviam conhecido durante suas vidas profissionais.

No festival de cinema, hospedaram-se no hotel atores famosos que estão se destacando no cenário atual da teledramaturgia brasileira; uns são galãs; já outros, são atores talentosos de grande presença; outras, são filhas de grandes artistas que ajudaram a formular um produto cultural genuinamente brasileiro e que, pela relação familiar, jamais seriam esquecidas pelos holofotes da mídia.

O galã, em sua estada no hotel, interpreta o papel que mais exige de seu talento: o de um robô que deve agir friamente com tudo e todos e não deixar de modo algum transparecer suas emoções, tanto na vida afetiva quanto na profissional, e para suportar tamanho fardo, conta com a ajuda de seus óculos escuros e dos atores coadjuvantes do staff que evitam qualquer contato entre ele e os “paparazzi”, garantindo por fim sua atuação impecável e a deixa de que merecia um Oscar por atuação tão dificultosa.

A filha de grande artista, acostumada a grandes escândalos e declarações polêmicas seguidas de retratações por parte do pai, durante sua estada limitou-se a escandalizar dentro de quatro paredes, somente se é que o staff tinha o direito de imaginar problemas com uma personalidade complicada durante uma calma estada.

As atrizes musas eram tão agradáveis que o recepcionista desejou com toda sua vontade ser escalado como par romântico em uma novela de época.

Um ano inteiro se passou, o recepcionista quis apreciar novos horizontes e se demitiu para ser substituído por outro que, após um ano, demitiu-se também, tendo chegado à conclusão de que fora, durante o exercício de sua função, arquiteto de sonhos alheios, testemunha de uma época que, em breve, seria esquecida e, por alguns momentos, teve a desagradável percepção de ser um mico adestrado.

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